Primeiro passo para entender o câncer de bexiga é conhecer a anatomia do órgão.
A bexiga é o órgão responsável pelo armazenamento e pela eliminação da urina, ou seja, responsável pela continência urinária. Encontrado na pelve, parte inferior da cavidade abdominal, a bexiga recebe a urina que é conduzida dos rins através de canais denominados ureteres. Estes condutos desembocam no trígono vesical.
Em situações normais está urina não retorna aos rins devido ao chamado mecanismo anti-refluxo. Isso protege as unidades renais de danos relacionados a agentes infecciosos e elevação de pressão no sistema urinário.
Ao contrário do que se pode pensar, a bexiga não é um órgão estático. Ela é composta por camadas musculares que tem como função relaxar gradativamente para acomodar a urina sob baixa pressão. A contração, por sua vez, ocorre de forma homogênea de modo a eliminar a urina de forma eficiente. Isso evita resíduo urinário e danos relacionados a micção com pressão elevada (Ex: divertículos e ruptura).
A bexiga localiza-se na pelve. Nas mulheres situa-se superiormente ao útero, logo acima da uretra. O aparelho genital feminino se separa do aparelho urinário durante a embriogênese, prevalecendo um arranjo em paralelo das estruturas.
No homem, existe uma maior relação entre aparelho reprodutor e o urinário. A bexiga se posiciona acima da próstata de maneira quase indissociável. A uretra viaja pelo interior da próstata até alcançar o pênis e meato uretral.
É graças a bexiga que os seres humanos são capazes de armazenar o conteúdo urinário, e eliminá-lo de forma voluntária, ou seja, este órgão é o maior responsável pela continência urinária.
Muito além de uma cavidade estática, a bexiga exerce sua função de armazenamento de forma ativa. Este órgão mantem sempre pressão baixa no seu interior. Este mecanismo funciona até que sua capacidade máxima seja atingida, nesse momento impulsos nervosos sensitivo informam ao sistema nervoso central sobre a necessidade de esvaziamento.
A micção consiste de evento complexo. Na infância ocorre de forma reflexa, involuntária. Após amadurecimento durante a infância gradativamente assumimos o controle deste processo, até o controle completo.
Os tumores malignos de bexiga surgem devido a alterações genéticas que podem ser herdadas de maneira familiar, ou adquiridas através mutações ao longo da vida. Estas mutações podem ocorrer de forma eventual ou estar relacionadas a toxinas denominadas carcinogênicas.
No caso específico da bexiga a exposição por tempo prolongado a urina e compostos nela excretados compõe uma das principais causas de formação de tumores.
Hoje conhecemos diversos fatores de risco para o câncer de bexiga
Comportamentais
Tabagismo – o câncer de bexiga é um dos tumores associados ao hábito de fumar que eleva em cerca de 3 vezes a chance do seu aparecimento . Isto está relacionado as toxinas inaladas durante o fumo.
Exposição ocupacional – a exposição a aminas aromáticas utilizadas em industrias de corante e tintas está fortemente associada ao câncer de bexiga. Outras formas de exposição ocupacional também estão identificadas, tais como em industrias de borracha, de couro e têxteis. Fora do ambiente industrial, pintores, cabelereiros e motoristas de caminhão e trem também podem apresentar risco elevado.
Arsênico – exposição a concentrações elevadas de arsênico, especialmente em água potável.
Medicamentosos
Medicamentos – a pioglitazona, medicação utilizada para tratamento do diabetes foi associada ao aparecimento de câncer de bexiga. Fitoterápico denominado Aristolochia fangchi também está associada ao aparecimento de tumores vesicais
Quimioterápicos – ciclofosfamida e a ifosfamida também podem elevar o risco de câncer de bexiga.
Radioterapia – a radiação pélvica está associada a elevação no risco de novos tumores na bexiga.
Uso crônico de cateter vesical – provoca reação inflamatória na bexiga e está ao aparecimento de tumores vesicais, em especial o subtipo escamoso.
Infecciosos
Infecção crônica/Schistossoma haematobium – Qualquer infecção crônica da bexiga pode levar a formação de tumores vesicais. O destaque para a schistossomiase está no seu caráter endêmico em algumas regiões, em especial no Egito.
Outros
Malformações congênitas – A principal malformação associada com tumores vesicais é a extrofia de bexiga.
Síndromes Genéticas – Existem algumas síndrome raras nas quais genes herdados predispõem a formação diversos tipos de câncer, no entanto apenas algumas delas estão associadas ao aparecimento de tumores na bexiga. São as síndromes de Cowden, Linch e do retinoblastoma.
Dificilmente encontramos famílias onde se acumulem casos de câncer de bexiga. Baseado nisso podemos dizer que o componente hereditário neste tumor desempenha um papel periférico quando comparado a fatores ambientais como exposição a toxinas e o tabagismo.
Existem estudos demonstrando alterações genéticas que codificam proteínas que destroem estas toxinas e associando estas alterações a maior propensão a formação de tumores. Quando há este tipo de exposição, no entanto o impacto destas alterações ainda é incerto e estudos adicionais são necessários para definir o real papel destas mutações.
Alterações genéticas em genes com RB1 e PTEN podem associar-se a formação de múltiplos tumores, incluindo os tumores de bexiga. Nestes casos, pacientes apresentam síndromes hereditárias e devem receber aconselhamento genético. A principal questão é a possibilidade de transferência destas mutações aos filhos carrear o risco de desenvolvimento de tumores.
Sim, o câncer de bexiga é um dos tipos de câncer que estão intimamente relacionados ao hábito de fumar. Para ser mais exato, pacientes tabagista tem um risco 3 vezes maior de desenvolverem tumores de bexiga do que não tabagistas.
O câncer de bexiga pode se manifestar de diversas formas, sendo a mais comum representada pela presença de sangue na urina. Denominado de hematúria, este sintoma pode se apresentar de maneira abrupta, com sangramento profuso, ou de maneira indolente, tingindo a urina com coloração rosada.
Neste cenário, é fundamental a realização de exame denominado cistoscopia, no qual o urologista é capaz de visualizar e biopsiar possíveis tumores de bexiga.
Outros sintomas que podem aparecer, estão relacionados ao impacto que a presença destes tumores pode causar na dinâmica vesical, algo semelhante a uma infecção urinária baixa, popularmente conhecida como cistite. Dento deste grupo de sintomas podemos encontrar:
Por último, assim como qualquer tipo de câncer que se apresente em uma fase tardia, os tumores vesicais podem se apresentar com sintomas relacionados a lesões secundárias. Exemplos:
Devido a sua baixa incidência na população e ausência de população-alvo específica não há recomendação para rastreamento ativo do câncer de bexiga. A melhor forma de realizar o diagnóstico precoce está na valorização dos sintomas com pronta investigação através de cistoscopia.
O diagnóstico definitivo do câncer de bexiga, assim como de qualquer tumor sólido, é estabelecido através da biópisa com análise histopatológica. Paciente com exames que sugiram a possibilidade de tumor na bexiga devem ser submetidos a resseção transuretral deste tumor e o material retirado enviado para análise. Este procedimento pode funcionar como método diagnóstico e de tratamento, uma vez que, em tumores de baixo risco, a simples ressecção endoscópica pode ser suficiente.
A avaliação primária, ou seja, antes da realização da biópsia, consiste a avaliação clínica dos sintomas, citologia urinária, métodos de imagem (tomografia computadorizada, Ressonância ou ultrassonografia) e cistoscopia. Com estes exames podemos diagnosticar uma lesão suspeita e definir a necessidade da ressecção endoscópica.
Apesar de todos estes exames possuírem a capacidade de demonstrar tumores vesicais um deles se destaca na exclusão deste diagnóstico, adquirindo posição importante no manejo diagnóstico. A cistoscopia é o exame que pode assegurar de forma mais segura a ausência de tumores. Sempre que houver suspeita, uma vez que citologia ou exames de imagem normais não excluem este diagnóstico, a avaliação endoscópica deve ser realizada.
Cistoscopia é exame endoscópico da bexiga, assim como a endoscopia digestiva alta e colonoscopia, se baseia na observação através de lente de aumento do revestimento da bexiga, denominado mucosa. Devido a contiguidade com a uretra, cistocopia acaba por avaliar também o aspecto da mucosa uretral, e muitas vezes é chamada de uretrocistoscopia.
O exame pode ser realizado com anestesia local, especialmente quando utiliza-se endoscópio flexível. A realização de cistoscopia rígida ou armada, pressupõe a necessidade de instrumentação cirúrgica do órgão, seja para retirada de cateteres, biópisas ou extração de cálculos, e , por esse motivo, deve ser realizada em centro cirúrgico e sob anestesia.
Este é o exame mais importante para avaliação de tumores de bexiga, pois além de dar informações importantes a respeito do aspecto, localização e tamanho das lesões quando estas estão presentes, apresentam uma maior acurácia para definir a ausência de lesões.
Uma biópsia consiste da retirada de material de uma lesão ou órgão para avaliação por técnicas de coloração e de magnificação por médico denominado patologista. No caso da bexiga, esta retirada de material pode ser realizada de 2 formas.
A forma mais comum consiste da resseção transuretral. Este procedimento é realizado em centro cirúrgico e utiliza instrumental endoscópico para ressecção total ou parcialmente a lesão. Neste procedimento um volume grande de tumor é retirado o que muitas vezes é suficiente para o tratamento.
A segunda forma de biópisa é baseada na retirada de fragmento para estudo. Neste caso são utilizadas pinça para retirada de fragmentos pequenos do tumor visando exclusivamente o diagnóstico. Este procedimento pode ser realizado fora de ambiente hospitalar, levando sempre em consideração risco de sangramento.
As biópsias a frio, como são chamadas, ficam restritas a lesões duvidosas, suspeita de carcinoma in situ ou situações onde a ressecção transuretral não está disponível (ex: durante realização de outros procedimentos endoscópicos como retirada de cálculos, etc)
A cistoscopia é o melhor exame para detecção do câncer de bexiga. Este exame deve ser realizado sempre que houver suspeita deste tipo de tumor. Principais sintomas são:
Outras indicações estão relacionadas a complementação de informação obtida por demais métodos diagnósticos. Exemplos: presença de citologia positiva para células neoplásicas, imagens suspeitas e ultrassonografia, tomografia ou ressonância nuclear magnética.
É importante ressaltar que a cistoscopia também auxilia no diagnóstico de outras doenças. Desta maneira pode ser indicada em casos de suspeita:
A ressonância nuclear magnética vem sendo cada vez mais utilizada na avaliação de tumores vesicais. Dentre os demais exames de imagem, é o com maior acurácia na detecção de lesões vesicais suspeitas.
No entanto é no estadiamento que este exame apresenta maior destaque. Hoje, temos que a presença de tumor na camada muscular da bexiga é um importante fator diagnóstico capaz de guiar mudanças no tratamento.
Ocorre que a demonstração de células musculares no exame de ressecções transuretrais é bastante desafiadora, e, muitas vezes, não é possível demonstrar invasão da camada muscular. Nesse contexto, a ressonância nuclear pode demonstrar tanto a presença de invasão da camada muscular influenciando no tratamento.
Outro aspecto importante está ligado a capacidade do exame em identificar linfonodos com suspeita de infiltração tumoral. neoplásica, influenciando no tratamento da doença.
Sim, o câncer de bexiga pode ser curado quando diagnosticado e tratado em fase inicial. Por isso é fundamental a avaliação precoce em caso de sintomas relacionados.
Sabemos que tumores avançados localmente ou disseminados para Gânglios linfáticos ainda podem ser resgatados. Nestes casos cirurgias radicais e quimioterapia podem ser utilizados.
Nos casos de doença metastática à distância, a cura não impossível mas extremamente rara. Nestes casos o manejo inicial é através de quimioterapia sistêmica para tentar postergar a progressão da doença e reduzir sintomas.
Existem vários tipos de tratamento para o câncer de bexiga. Desde métodos ablativos endoscópicos até cirurgias complexas com confecção de bexigas constituídas de alças intestinais.
De forma bastante simplificada podemos dizer que os tumores superficiais de bexiga podem ser manejados com ressecção endoscópica e tratamento intravesical. Já os tumores invasivos devem ser abordados através de tratamento oncológico multimodal incluindo cirurgia, quimioterapia e radioterapia.
Tratamentos:
O imunoterapia com BCG é utilizada através de injeções periódicas da vacina, que é composta por um microrganismo atenuado, na bexiga. O efeito da droga é mediado pela reação da bexiga ao contato com esta bactéria. A ativação do sistema imune contra as células tumorais ocorre como consequência deste processo.
Este tipo de tratamento está indicado como método aditivo a retirada do tumor principalmente em tumores superficiais de alto grau. A BCG intravesical é único método capaz de reduzir o numero de recorrências e impedir a progressão destes tumores.
Nos casos de tumores de baixo grau, a BCG pode ser utilizada como método de resgate em tumores recorrentes.
O acompanhamento após ressecção endoscópica de tumores vesicais é baseado na avaliação periódica de recorrência no interior da bexiga. A identificação precoce das recorrências possibilita melhor resultados com tratamento, bem como tratamentos menos intensos.
Os protocolos variam de acordo com o risco do tumor:
A ressecção transuretral de bexiga é popularmente denominada RTU de bexiga. O procedimento consiste da utilização de endoscópico para retirada do tumor. Para isso é utilizada uma alça carregada com eletrocautério com objetivo de promover a coagulação de sangramento.
A retirada do material ressecado e feita posteriormente através de evacuador que atua através de turbilhonamento.Este material é posteriormente enviado para estudo histopatológico para determinação do tipo, grau e estádio do tumor.
Em tumores superficiais de baixo grau, a simples ressecção completa da lesão pode ser considerada um tratamento efetivo. Na maioria dos casos é importante repetir o procedimento para determinar se a retirada foi realmente completa.
Nos casos de tumores de alto grau, outros tratamentos devem ser associados. Nos casos de tumor superficial ou T1, o tratamento com BCG intravesical está indicado. Em casos de invasão mais profunda, faz-se a opção entre radioterapia e cirurgia com quimioterapia.
Os tumores de bexiga se dividem em tumores músculo invasivos e não músculo invasivos. Tumores invasivos encerram uma elevada probabilidade de progressão. Estes tumores devem ser tratados de maneira agressiva utilizando combinações de quimioterapia, radioterapia e cirurgia.
Tumores não músculo invasivos ou superficiais, como eram chamados, apresentam um prognóstico melhor. Nestes casos raramente detectamos metástases a distância no momento do diagnóstico. No entanto alguns subtipos apresentam propensão a progressão. Nestes casos o tratamento e acompanhamento devem ser mais intensos.
Para a identificar lesões com pior prognóstico utilizamos a classificação de risco:
O acompanhamento após ressecção endoscópica de tumores vesicais é baseado na avaliação periódica de recorrência no interior da bexiga. A identificação precoce das recorrências possibilita melhor resultados com tratamento, bem como tratamentos menos intensos.
Os protocolos variam de acordo com o risco do tumor:
O tratamento cirúrgico consiste da retirada da bexiga, que pode ser parcial ou completa (denominada radical). Esta indicado quando o tumor apresenta invasão da camada muscular ou quando se apresenta refratário ao tratamento endoscópico e com BCG.
Outras indicações dizem respeito a tipos histológicos diferentes, variantes com mal prognóstico e presença de invasão linfo vascular.
Até hoje não existem estudos comparativos adequados entre os dois métodos. No entanto evidências indiretas apontam para melhor resultado da cirurgia quando comparada ao tratamento radioterápico. Em centros com vasta experiência com radioterapia, as taxas de cirurgia de resgate estão em torno de 30/40%. Esse dado mostra que nem sempre a radioterapia é efetiva no tratamento dos tumores de bexiga.
Apesar disso a radioterapia figura como método com possibilidade curativa. O tratamento pode deve ser indicado em pacientes que não apresentem condições para serem submetidos a cirurgia de grande porte.
Assim como a cistectomia parcial, a chamada terapia multimodal (radioterapia + quimioterapia), apresenta melhores resultados em pacientes com:
A retirada parcial da bexiga tem uma indicação restrita. Este procedimento consiste da retirada através de cirurgia de parte da bexiga.
Indicações estão relacionadas a natureza dos tumores vesicais. O que fazemos hoje é tentar identificar tumores onde o risco de recorrência na bexiga é menor. Isso restringe a aplicação deste método a tumores únicos, menores de 5 cm, localizados longe das saídas dos ureteres. A presença de carcinoma in situ constitui uma contra-indicação à técnica.
A retirada total da bexiga é denominada cistectomia radical indicada para o tratamento do câncer de bexiga. Classicamente, inclui a retirada da próstata e vesículas seminais, em homens; e útero e parte da vagina em mulheres. É o método adequado para pacientes com bom risco cirúrgico e tumores invasivos ou refratários aos outros tratamentos.
Durante a retirada do órgão é também realizada a retirada dos gânglios linfáticos, que comprovadamente melhora os índices de cura.
A reconstrução do trato urinário após a retirada da bexiga é feita através da confecção de condutos com alças intestinais. Existem diversos tipos de condutos. Alguns podem se assemelhar a uma bexiga e serem conectados a uretra, ou serem reposicionados na parede abdominal sobre a forma de ostomia.
As taxas de cura relacionadas a cirurgia radical estão situadas em torno de 55% a 60%. Isso pode ser ampliado com a utilização de quimioterapia pré-operatória.
Este procedimento pode ser realizado por via laparoscópica ou robótica.
Existe muita confusão relacionado ao termo neobexiga. Esta terminologia é utilizada para qualquer reservatório que seja confeccionado para receber a urina dos rins, tal como a bexiga. Em muitos casos isso ocorre após a retirada da órgão original.
O principal objetivo de uma neobexiga é prover continênica urinária. Isso se caracteriza por permitir ao paciente períodos onde não haja perda urinária.
As neobexigas são normalmente constituídas de segmentos intestinais. Estas podem ser conectadas a uretra preservando o hábito miccional de maneira muito semelhante ao natural. Outra alternativa é a conexão à pele da parede abdominal. Nestes casos é necessário o auto cateterismo para eliminação do conteúdo urinário.
Muitos chamam o conduto ileal de neobexiga, o que não está tecnicamente correto. Este consiste de simples interposição de um conduto de intestino delgado levando a urina até a parede abdominal e bolsa coletora. Isso não permite armazenamento urinário levando a uma perda contínua para a bolsa.
Apesar de apresentar vantagens relacionadas a simplificação do procedimento cirúrgico, o conduto ileal não é capaz de proporcionar mecanismo de continência urinária.